A saúde faz parte da agenda política internacional e é o componente essencial dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.
Os problemas de saúde e suas soluções transcendem as fronteiras nacionais e tem impacto global no desenvolvimento. Nos últimos 30 anos, a saúde passou a ter significativa relevância no cenário internacional, integrando inúmeras agendas de política externa e de cooperação. Apesar do avanço do papel da saúde nas relações exteriores, a interdependência impulsionada pela globalização contemporânea ainda reflete as dinâmicas de poder existentes e as iniquidades que impactam sobremaneira a saúde.
Simultaneamente ao contexto de globalização do pós-Guerra Fria, a saúde retorna à cena internacional com a epidemia de HIV/AIDS, um dos maiores desafios globais a ser enfrentado por países ricos e pobres. É neste estado de insegurança que em 1997 foi publicado pelo Instituto de Medicina em Washington, pela primeira vez na literatura, um artigo mencionando o termo “global health”: “Um novo conceito de “saúde global” é necessário para tratar de problemas de saúde que transcendem as fronteiras, que podem ser influenciados por eventos de outros países e para os quais melhores soluções podem ser encontradas através da cooperação”.
Embora existam algumas controvérsias na literatura sobre a definição de “saúde global”, esta área de estudo tem como objetivo a melhoria da saúde das populações, a análise dos determinantes sociais da saúde e a luta pela equidade em saúde a nível mundial. É uma área multidisciplinar e coletiva que transcende fronteiras que deve ser abordada por ações comuns, local e globalmente. Segundo o artigo intitulado “Towards a common definition of global health”, Koplan diz que “não devemos restringir a saúde global a questões relacionadas à saúde que literalmente cruzem fronteiras internacionais. Em vez disso, global refere-se a qualquer questão de saúde que preocupe muitos países ou seja afetada por determinantes transnacionais, como mudança climática ou urbanização. Mas a saúde global também deve abordar o controle do tabaco, as deficiências de micronutrientes, a obesidade, a prevenção de acidentes, a saúde dos trabalhadores migrantes e a migração dos profissionais de saúde.
O global na saúde global refere-se ao escopo dos problemas, não à sua localização. Assim, como a saúde pública, mas diferentemente da saúde internacional, a saúde global pode se concentrar nas disparidades de saúde domésticas, bem como nas questões transfronteiriças”. O campo acadêmico da saúde global tem como desafio integrar de maneira efetiva as dimensões política, econômica, social e ambiental da vida das populações, estudando criticamente o impacto de dinâmicas globais na esfera local. O entendimento do papel dos diversos atores na definição de valores e princípios relacionados à saúde pública mundial e suas interações em diferentes níveis de exercício do poder devem obrigatoriamente ser abordados por meio do estudo deste tema já na graduação médica.
Desde 2013, com a colaboração da Profa Maria Carolina Loureiro, a disciplina de Saúde Global passou a fazer parte do Curso de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da PUC-SP, assim, tornando-se a primeira universidade a ter o estudo deste tema na graduação médica no Brasil. Dos quase 400 alunos que formei até hoje, 100% relataram que este curso foi uma etapa essencial para que compreendessem com mais sofisticação a saúde e as relações internacionais. Entenderam brilhantemente que a saúde passou a ser um vetor de estratégia geopolítica e de soft power. Os desafios atuais e futuros no âmbito da saúde global são inúmeros: envelhecimento da população mundial, a epidemia de doenças crônicas não-transmissíveis e seus fatores de risco, o elevado índice de doenças psicossociais no Brasil, políticas de austeridade com cortes orçamentários na saúde pública, custos elevados dos planos de saúde suplementar, enfraquecimento do papel da OMS, mudança climática, segurança alimentar ( excesso de pesticidas, falta de água limpa), securitização da saúde, migração, violação de Direitos Humanos, crescimento das iniquidades locais em saúde, filantrocapitalismo, etc.
O ensino médico necessita urgentemente de uma adequação aos novos tempos. A saúde global transcende fronteiras e requer uma responsabilidade coletiva. O processo de construção da governança global da saúde recebeu, nos últimos anos, grande influência de novos atores não-estatais e privados, apesar dos Estados ainda representarem a sua parte essencial. Nossos alunos de medicina precisam estar à altura dos desafios e dos atores que enfrentarão.
A interdisciplinaridade entre a medicina, o direito, a economia da saúde, a antropologia, a diplomacia e o humanitarismo são essenciais para eles. Sem esta formação, eles certamente terão dificuldades em entender os interesses e jogos de poder dos diversos atores que atuam nesta área e que impactam as políticas públicas globais.
Formada em Saúde Global e em Direitos Humanos em Genebra, abraça a causa da diversidade e da equidade de gênero.